CIRCULAR Nº 06 / 2024
O Dízimo à Luz do Novo Testamento
Caros irmãos, A paz de Deus.
O propósito desta carta é o de dar esclarecimento à irmandade da compreensão da Congregação Cristã acerca do dízimo. Para tanto, importa resgatar a utilidade desse mandamento mosaico conectando-o ao seu contexto e aos seus propósitos originais, sem o que, não há como entendê-lo perfeitamente.
O significado de dízimo é décima parte. A rigor, a sua prática antecede a Lei Mosaica (lei divina entregue ao povo de Israel por intermédio de Moisés) em, pelo menos, quatrocentos e trinta anos; sendo o registro mais antigo encontrado no livro de Gênesis, ocasião na qual Abrão pagou dízimos dos despojos de guerra ao sacerdote eterno Melquisedeque (Gen 14:20). No Antigo Testamento (AT), o dízimo, enquanto ordem divina, era exigido para ser entregue junto aos holocaustos, votos, ofertas alçadas e aos sacrifícios, consoante ao que se lê no livro de Deuteronômio 12:11.
O dízimo passou a ser usado primariamente para o sustento dos levitas (Num 18:21), todavia, era importante também para o sustento dos estrangeiros, órfãos e viúvas (Deut 14:28 e 29). Tratava- se de uma requisição feita por Deus sobre as posses dos israelitas, e se aplicava tanto à agricultura quanto à pecuária. Sem o dízimo, a tribo de Levi não teria como subsistir, visto que eram proibidos de possuírem terras e gados, e não tinham herança (Num 18:21 e 24); e, portanto, não plantavam e tampouco colhiam, sendo totalmente dependente dessas ofertas advindas das demais tribos. Conclui- se, então, que Israel cumpria a lei mosaica dizimando a favor daqueles que pertenciam à tribo levítica.
Passagens escriturais tais como as relatadas nos Evangelhos (Luc 11:42 e Mat 23:23) merecem ser esclarecidas. Nesses textos, realmente se pode notar, que o Senhor Jesus confirma a obrigação de se dizimar. Entretanto, devemos nos lembrar que, àquela época, o Senhor Jesus estava debaixo dos mandamentos da Lei e agia em cumprimento dessa Lei, e a Graça de Deus não havia ainda sido dispensada aos homens mediante a Sua morte e ressurreição, pois o Mestre ainda se encontrava presente entre os homens, isto é, a salvação não havia sido completa, uma vez que a sua missão não estava consumada na cruz (João 16:7). As bênçãos e os benefícios resultantes do Novo Testamento, as diretrizes da Graça, ocorreram exclusivamente a partir de quando o Senhor subiu ao Pai. Por esta razão, o Senhor lhes dizia que era necessário dizimar naquela época, para cumprirem as ordenanças da Lei, visto ainda vigorar a Lei Mosaica. Contudo, já pelo anúncio de sua paixão anteriormente profetizada, assinalava-se o final da vigência da Lei conforme se pode verificar:
“A lei e os profetas duraram até João: desde então é anunciado o reino de Deus, e todo o homem emprega força para entrar nele.” (Luc 16:16)
No entendimento ministerial da Congregação Cristã, o seu ministério não deve receber pagamentos por nenhuma atividade ministerial em nenhum escalão, devendo todo o corpo presbiterial abdicar-se de ser remunerado para quaisquer exercícios ministeriais; isso, em conformidade com as instruções do apóstolo dos gentios:
“… em tudo me guardei de vos ser pesado, e ainda me guardarei.” (2Cor 11:9);
“Porque, em que tendes vós sido inferiores às outras igrejas, a não ser que eu mesmo vos não fui pesado? Perdoai-me este agravo. Eis aqui estou pronto para pela terceira vez ir ter convosco, e não vos serei pesado, pois que não busco o que é vosso, mas sim a vós; porque não devem os filhos entesourar para os pais, mas os pais para os filhos.” (2Cor 12:13 e 14);
“Mas seja assim; eu não vos fui pesado, mas, sendo astuto, vos tomei com dolo.” (2Cor 12:16);
“E não buscamos glória dos homens, nem de vós, nem de outros, ainda que podíamos, como apóstolos de Cristo, ser-vos pesados.” (1Tess 2:6)
Muito embora o dízimo encontre fundamento bíblico no Antigo Testamento, ele definitivamente não é estabelecido e muito menos obrigatório no propósito doutrinal do Novo Testamento, senão uma opção pessoal e/ou coletiva.
Na Congregação Cristã existem as ofertas voluntárias para manutenção dos templos, construções, viagens missionárias, além de garantir o sustento e suprimento das necessidades existentes entre a irmandade carente. Logo, as coletas não têm o propósito de assalariar o ministério.
As ordenanças oriundas da Lei acerca do dízimo — amplamente descritas e determinadas em diversos livros do Antigo Testamento (AT) — não serão aqui debatidas por entendermos que, embora sejam legítimas no seu contexto, não se aplicam mais aos tempos da dispensação da plenitude do conhecimento do Filho de Deus, por pertencerem e estarem contidas em forma de ordenanças somente no AT, exclusivamente ao povo de Israel.
Esse é um ponto importante: o dízimo não é citado como doutrina do Novo Testamento em nenhum texto, e muito menos requerido pelos apóstolos, sendo unicamente referido nos evangelhos quando Cristo ainda não havia instituído o tempo da Graça a toda a humanidade, que foi obra de sua morte e subsequente ressurreição triunfante. Consideremos isso: se o dízimo fosse mandamento a ser observado pela Igreja, essa seria uma ordem citada e reclamada por parte dos apóstolos! A verdade é que o dízimo, nenhuma vez, foi imposto ou ordenado pelos apóstolos em suas santas epístolas. Paulo, apóstolo dos gentios, afirmou nas Escrituras que nunca deixou de anunciar “todo o conselho de Deus” (At 20:27), e, como nunca anunciou o dízimo como prática entre cristãos, logo, não faz parte do conselho de Deus para a Igreja e, por conseguinte, Paulo nunca anunciou que cristãos entregassem dízimos a alguma tesouraria da igreja. No contexto do Novo Testamento não há nenhum percentual estabelecido como regra de contribuição aos regenerados em Cristo Jesus.
Apesar do apóstolo Paulo confessar já haver recebido socorro financeiro de algumas igrejas em certas ocasiões de sua vida, ao lermos com atenção todas as suas cartas, entendemos claramente que uma aludida ocasião na qual Paulo recebeu de algumas igrejas salário (fruto de ofertas e não de dízimo) — foi notável exceção ao longo de seu apostolado — que teve como único propósito servir à igreja de Corinto. Ou seja, ele fez uso desse benefício somente por um tempo, conforme sua necessidade naquele período. Podemos confirmar isso pela leitura de sua segunda carta destinada aos Coríntios:
“Outras igrejas despojei eu para vos servir, recebendo delas salário; e quando estava presente convosco, e tinha necessidade, a ninguém fui pesado.” (2Cor 11:8)
Portanto, essa foi uma atitude fora do padrão de seu comportamento ministerial. Aliás, Paulo afirma que no início de sua jornada apostólica, a única igreja que se comunicou voluntariamente com ele para o ajudar com ofertas foram os Filipenses:
“…nenhuma igreja comunicou comigo com respeito a dar e a receber, senão vós somente.” (Fil 4:15)
Posto para transparência que o apóstolo relatou ter recebido salário de algumas igrejas para não ser pesado aos Coríntios, entendemos, indubitavelmente, que ele não fez deste salário a sua forma permanente de sustento, visto que trabalhava fazendo tendas (1Tess 2:9) como se pode ver também em:
“… se ajuntou com eles, E, como era do mesmo ofício, ficou com eles, e trabalhava; pois tinham por ofício fazer tendas.” (At 18:2 e 3);
“Assim ordenou também o Senhor aos que anunciam o evangelho, que vivam do evangelho. Mas eu de nenhuma destas coisas usei, e não escrevi isto para que assim se faça comigo; porque melhor me fora morrer, do que alguém fazer vã esta minha glória.” (1Cor 9:14 e 15)
Outros discípulos do Senhor punham em prática o mesmo procedimento espiritual de não cobrar dízimos, conforme se vê escrito na epístola:
“Roguei a Tito, e enviei com ele um irmão. Porventura Tito se aproveitou de vós? Não andamos porventura no mesmo espírito, sobre as mesmas pisadas?” (2Cor 12:18)
Segundo suas próprias exposições, o apóstolo demonstra que, segundo a Lei Mosaica, ele poderia requerer frutos materiais dos Coríntios, ou de qualquer outra igreja (vide 1Tim 5:17, que é uma repetição de 1Cor 9:9), quando cita, em sua primeira epístola destinada aos daquela nação:
“Porque na lei de Moisés está escrito: Não atarás a boca ao boi que trilha o grão. Porventura tem Deus cuidado dos bois? Ou não o diz certamente por nós? Certamente que por nós está escrito; porque o que lavra deve lavrar com esperança, e o que debulha deve debulhar com esperança de ser participante” (1Cor 9:9 e 10)
Outra vez:
“Logo, que prêmio tenho? Que evangelizando, proponha de graça o evangelho de Cristo para não abusar do meu poder no evangelho.” (1Cor 9:18)
É límpida a leitura que se faz desses textos, a qual nos aponta os direitos tocante aos evangelistas de serem ajudados, ao mesmo tempo reconhecendo sua origem na Lei Mosaica, mas não os reintroduzindo na forma de obrigação doutrinal de dízimo. Doutra sorte, o apóstolo Paulo erraria não os praticando e ainda sugerindo que o imitássemos nessa conduta.
E não somente em Corinto, senão que em diversas regiões por onde Paulo passava, adotava a mesma regra: trabalhava, para não ser pesado a ninguém. Consideremos bem, como Paulo se sustentava:
“Porque bem vos lembrais, irmãos, do nosso trabalho e fadiga; pois, trabalhando noite e dia, para não sermos pesados a nenhum de vós, vos pregamos o evangelho de Deus.” (1Tess 2:9)
Novamente, em sua segunda carta destinada aos Tessalonicenses, o santo apóstolo relembra a sua forma de vida e conduta, declarando sua independência das receitas das igrejas, esclarecendo isso nessa passagem:
“Porque vós mesmos sabeis como convém imitar-nos, pois que não nos houvemos desordenadamente entre vós, nem de graça, comemos o pão de homem algum, mas com trabalho e fadiga, trabalhando noite e dia, para não sermos pesados a nenhum de vós. Não porque não tivéssemos autoridade, mas para vos dar em nós mesmo exemplo, para nos imitardes.” (2Tess 3:7 a 9)
Na epístola aos Hebreus se vê claramente a demarcação do fim da Lei, pelo levantamento de um outro sacerdócio, mais sublime, segundo a ordem de Melquisedeque. Ponham atenção na explicação contida nessa epístola:
“... Porque, mudando-se o sacerdócio, necessariamente se faz também mudança da lei.” (Heb 7:12)
Marca-se aqui o intervalo de tempo da vigência da ordenança do dízimo, o qual perdurou até ao sacerdócio levítico. Em seguida, vê-se no mesmo capítulo:
“Porque o precedente mandamento é ab-rogado por causa da sua fraqueza e inutilidade. (Pois a lei nenhuma coisa aperfeiçoou) e desta sorte é introduzida uma melhor esperança, pela qual chegamos a Deus.” (Heb 7:18 e 19)
De fato, em seu ministério terreno, o Senhor Jesus não foi sustentado com dízimos, nem poderia, Ele era de Judá e não da tribo de Levi. Qualquer hebreu de outra tribo, que não fosse da tribo de Levi, estava vetado pela lei de receber dízimos do povo, e o Senhor Jesus cumpriu toda a Lei em sua plenitude.
Na passagem a seguir, o salário se refere aos recursos necessários ao sustento dos evangelistas e não trata nada acerca do dízimo sacerdotal, em absoluto:
“E, em qualquer casa onde entrardes, dizei primeiro: Paz seja nesta casa. E, se ali houver algum filho de paz, repousará sobre ele a vossa paz; e, se não, voltará para vós. E ficai na mesma casa, comendo e bebendo do que eles tiverem, pois digno é o obreiro de seu salário.” (Luc 10:5 e Mat 10:10)
Outra passagem nos chama atenção na epístola do apóstolo Paulo aos Gálatas:
“E o que é instruído na palavra reparta de todos os seus bens com aquele que o instrui.” (Gal 6:6)
Aqui se trata da comunicação dos bens materiais da parte dos irmãos, com aqueles que exercem o ministério da Palavra. Contudo, vejam com atenção que, mais uma vez, não se trata de dízimo, até porque se fala de repartir todos os bens e não de doar a décima parte. Aliás, essa era uma prática comum entre os discípulos, no início da formação da Igreja, conforme se pode constatar:
“E todos os que criam estavam juntos, e tinham tudo em comum.” (At 2:44)
Inclusive, essa divisão de bens não era para uso específico do ministério, mas para o benefício comum de toda a Igreja.
Observem que o apóstolo Paulo exortava ao corpo ministerial da Igreja, instruindo-os a adotar o trabalho para o sustento pessoal:
“De ninguém cobicei a prata, nem o ouro, nem o vestido. Vós mesmos sabeis que para o que me era necessário a mim, e aos que estão comigo, estas mãos me serviram. Tenho-vos mostrado em tudo que, trabalhando assim, é necessário auxiliar os enfermos, e recordar as palavras do Senhor Jesus, que disse: Mais bem-aventurada coisa é dar do que receber.” (At 20:33 a 35)
“Curai os enfermos, limpai os leprosos, ressuscitai os mortos, expulsai os demônios; de graça recebestes, de graça dai.” (Mat 10:8)
Cabe a colocação de que, se o dízimo fosse praticado pelas igrejas naquele tempo, não ocorreriam reclamações da falta de ofertas voluntárias por parte de Paulo (1Cor 16:17), pois esse aporte financeiro obrigatório supriria as necessidades as quais Paulo aludia.
Ademais disso, caso a Igreja praticasse a cobrança de dízimos àquela época, estaria ainda concorrendo paralelamente aos preceitos do judaísmo — haveria então duas práticas de dízimos naquele tempo, o dízimo dos levitas e o do presbitério. Contudo, não há nenhum mandamento de que o ministério, semelhante aos sacerdotes levíticos, não poderia ter heranças ou posses, para que assim se justificasse o estabelecimento do dízimo cristão. É forte essa questão — se o dízimo for evocado como mandamento a ser cumprido com base na lei do AT, esse entendimento conflitará com a graça de Cristo, ou seja, quem defende a necessidade de obediência aos preceitos da Lei, conforme esclarece a Palavra de Deus em Gálatas, estará fora da graça de Cristo:
“Separados estais de Cristo, vós os que vos justificais pela lei: da graça tendes caído.” (Gal 5:4)
Pelos esclarecimentos expostos, ficam notórias quais são as bases bíblicas que amparam e norteiam a conduta da Congregação Cristã no que tange a não se dar a prática do dízimo.
Concluímos assim que, dedicando o nosso tempo e o nosso trabalho espiritual ao Senhor Jesus de maneira gratuita e desinteressada, lhe ofertamos o ofício ministerial como forma de consagração voluntária.
Vossos irmãos em Cristo,
O Conselho de Anciães